Análise Crítica da Linguagem Jurídica: Tecnologia, desafios da compreensão e o visual law como facilitador da comunicação

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
Ana Vitória Gomes de Oliveira Vieira. Análise Crítica da Linguagem Jurídica: Tecnologia, desafios da compreensão e o visual law como facilitador da comunicação. Faculdade de Direito da UnB/Monografia de conclusão de curso de bacharelado em Direito. Brasília, 2025, 81 f.

A monografia foi apresentada, defendida a aprovada perante a Banca Examinadora, da qual participei e que foi formada pelo professor Benedito Cerezzo Pereira Filho — Orientador (FD/UnB) e pela professora Loussia Penha Musse Felix, também da Faculdade de Direito da UnB.
Uma satisfação justificada em poder acompanhar esse momento de finalização da trajetória de Ana Vitória Gomes de Oliveira Vieira. Nossos vínculos acadêmicos se estabeleceram logo em seu primeiro semestre do curso na disciplina Pesquisa Jurídica. Concluída com alto aproveitamento ela se tornou nos semestres seguintes monitora da disciplina e se firmou como monitora-senior, qualificando-se como auxiliar docente. Desde então Ana tem me apoiado na regência da disciplina e pelo menos uma vez a cada semestre, com muito domínio de conteúdo e de performance apresenta para os estudantes o conhecimento e os modos de aplicação das regras da ABNT, com muito proveito de atualização para mim também. Jovem propositiva ela pode ser vista no seu canal instagram – direitudo, “numa conversa de estudante para estudante”, sobre temas que implicam compreender o trabalho acadêmico (“delimitando o tema”, “o dilema do TCC” “dicas ABNT”…). Para acompanhar, em efeito demonstração, https://www.youtube.com/watch?v=OLM1zotHO1A – 5 dicas sobre ABNT).
Sobre a monografia de Ana Vitória, remeto ao Resumo:
O presente trabalho propõe uma análise crítica da linguagem jurídica, com foco em sua complexidade comunicativa e nos impactos sociais decorrentes do seu uso. A pesquisa parte da constatação de que a linguagem jurídica, historicamente marcada por tecnicismos e formalismos excessivos, frequentemente compromete sua função comunicativa ao se tornar inacessível ao cidadão comum. Diante disso, questiona-se: qual é o real papel da linguagem no Direito e de que forma ela pode ser transformada para promover uma comunicação mais eficiente, democrática e cidadã? Discute-se, então, a linguagem não apenas como instrumento técnico, mas também como expressão de poder, exclusão e identidade profissional. Ao longo do estudo, exploram-se as tensões entre a tradição e a necessidade de adaptação linguística, bem como a constatação de um “falso saber” mascarado de técnica no âmbito jurídico. Propõe-se que a simplificação da linguagem jurídica não implica na perda de rigor técnico, mas sim compromisso com a clareza, a eficácia e a democratização do Direito.
O texto, no seu desdobramento, trata da linguagem jurídica — o chamado “juridiquês” — e de como ela afeta o acesso ao Direito no Brasil. Parte da constatação de que, embora o Direito tenha raízes tradicionais, sua linguagem deveria ser clara e acessível, não apenas para juristas, mas também para os cidadãos comuns, que são os verdadeiros destinatários das normas jurídicas.
Entretanto, o que se observa, segundo ela, é a elitização da linguagem jurídica, compreendida apenas por uma parcela da população que passou por formação específica. Muitos bacharéis, inclusive, acabam não atuando na área, e apenas parte dos profissionais realmente se dedica a simplificar os problemas jurídicos da população.
A pesquisa apresentada investiga quão necessária é essa complexidade linguística e como torná-la mais compreensível, sem perder a precisão técnica. Considera-se, nesse sentido, o uso de linguagem simples, tecnologias e o visual law como ferramentas para democratizar o acesso ao Direito.
O estudo se vale de uma metodologia mista: primeiro, um questionário com 350 pessoas identificou o nível de compreensão de termos jurídicos; depois, entrevistas qualitativas com quatro grupos: Magistrados — para discutir percepções institucionais sobre a linguagem e sua simplificação; Juristas em formação e advogados — para analisar os impactos do juridiquês na prática; Cidadãos não juristas — para avaliar experiências reais e dificuldades de compreensão; Sugestões espontâneas — sobre como tornar o Judiciário mais claro.
O trabalho conclui que o juridiquês atua como instrumento de exclusão e poder, mas que pode se transformar em uma ferramenta de acesso e cidadania, se houver investimento em educação jurídica acessível e inovação na comunicação institucional.
Ainda na Introdução a Autora declina como concebeu a arquitetura de sua monografia:
Este trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro apresenta o referencial teórico que embasa a pesquisa, abordando a linguagem como instrumento jurídico, a tradição do juridiquês e os avanços promovidos por tecnologias como o Visual Law e a Inteligência Artificial. O segundo capítulo aprofunda as propostas de inovação comunicacional no Direito, explorando os limites e possibilidades da simplificação da linguagem jurídica. O terceiro capítulo se dedica à análise crítica dos argumentos em disputa sobre a linguagem jurídica, reunindo visões favoráveis e contrárias à sua simplificação, com destaque para as entrevistas realizadas com magistrados. Por fim, o quarto capítulo apresenta os resultados da etapa empírica da pesquisa, analisando os dados coletados por meio de questionário e discutindo suas implicações para o acesso à justiça e a comunicação no meio jurídico.
Expostas as premissas deste trabalho, gostaria de fazer um convite ao leitor: é importante tentar esvaziar-se das preconcepções que eventualmente vem à mente em relação à linguagem – seja ela simples ou complexa –, bem como em relação aos demais termos aqui explorados, como visual law, legal design e inteligência artificial, de modo que se possa analisar o conjunto de forma realista e eficaz. Para tanto, o presente trabalho também se preocupa em levar ao leitor o real significado e conceito de cada termo, dentro de sua respectiva esfera de aplicabilidade, a fim que se tenha uma coesa e objetiva desenvoltura para, então, concluir as análises reveladas pela pesquisa.
Em sua estrutura analítica, o texto enquadra o debate sobre os prós e contras da linguagem simples no Direito, evidenciando as tensões entre a tradição técnico-jurídica e a demanda por clareza e acessibilidade.
De um lado, diz Ana, há quem defenda o “juridiquês” como marca de identidade profissional, erudição e rigor técnico. Juristas como Lenio Streck e Sabatini Giampietro Netto argumentam que a simplificação pode empobrecer o pensamento jurídico, gerar superficialidade e comprometer a densidade teórica, sobretudo em tempos de automatização e uso acrítico de modelos prontos.
De outro lado, há quem veja a simplificação como condição para o acesso à justiça. Autores como Souza, o juiz Rodrigo Collaço e a ministra Nancy Andrighi defendem uma linguagem clara e didática, que preserve a técnica, mas elimine o rebuscamento desnecessário que dificulta a compreensão das decisões por parte dos cidadãos comuns.
Ela se refere ao juiz João Marcos Guimarães no que este acrescenta uma crítica importante: o uso do juridiquês pode ser uma estratégia de autoproteção para esconder fragilidades argumentativas, funcionando como barreira de exclusão e falsa autoridade. Aliás, o magistrado se fez presente e acompanhou a apresentação e a defesa da monografia.
A conclusão é que o desafio não está em escolher entre simplicidade e técnica, mas em conciliar clareza e precisão. A linguagem jurídica deve cumprir sua função social, comunicando com todos os destinatários do Direito — sem cair no simplismo raso nem no obscurantismo elitista. E eu acrescento, é um lugar de tensionamento político que convoca para disputas acirradas em torno a projetos de vida e de sociedade. Penso, com Roland Barthes a dimensão política da língua no que o grande semiólogo adverte sobre o seu caráter fascista. Fascista diz ele, não porque interdite ou censure o dizer, mas porque embute pré-compreensões e preconceitos socialmente inseridos nos discursos, que vinculam e que obrigam (A Lição. São Paulo: Cultrix, 1980).
Quero dizer que o trabalho de Ana Vitória retoma uma questão candente demarcada na cultura jurídica, particularmente no Brasil e que remonta ao debate entre Ruy Barbosa e o professor José Joaquim Carneiro de Campos (professor Carneiro) acerca da revisão filológica do Projeto de Código Civil de 1917. Um episódio marcante da história jurídica e linguística brasileira. Ele evidencia a tensão entre o rigor jurídico e o apuro linguístico-literário, num momento em que o Brasil se preparava para consolidar sua legislação civil em um único corpo normativo.
Para contextualizar esse marcante debate é preciso lembrar que o Código Civil brasileiro começou a ser elaborado em 1899, sob responsabilidade do jurista Clóvis Beviláqua. Promulgado em 1916, entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917. Antes disso, passou por várias fases de discussão, revisão e emendas. Uma das etapas finais foi a revisão filológica, isto é, uma revisão da linguagem do texto legal, não apenas do conteúdo jurídico.
Ruy Barbosa, então senador, considerava a correção gramatical e o estilo linguístico parte essencial da clareza e da nobreza das leis. Era crítico de redações que considerava obscuras, truncadas ou tecnicamente falhas do ponto de vista da linguagem.
José Joaquim Carneiro de Campos era jurista, professor da Faculdade de Direito do Recife e integrante da comissão revisora do projeto, defendia a versão original do texto de Clóvis Beviláqua, com menos preocupação com a estética literária e mais com a precisão técnica e jurídica.
O centro do debate se definiu quando Ruy Barbosa criticou duramente a linguagem do projeto, que considerava barbárica, obscura e incorreta do ponto de vista gramatical e estilístico. Ele argumentava que uma lei civil, que regeria a vida de todos os cidadãos, deveria ter linguagem clara, elegante e correta, de modo que fosse compreensível e respeitosa da língua nacional.
O professor Carneiro, por sua vez, reagiu à crítica de Ruy Barbosa, defendendo que a linguagem jurídica tem características próprias, exigindo precisão técnica, o que nem sempre coincide com a estética literária. Argumentava que Ruy Barbosa fazia exigências literárias que podiam comprometer a funcionalidade do texto legal.
Entre as várias admoestações Ruy sustentava que “A linguagem da lei há de ser tão correta quanto a da ciência e tão pura quanto a da literatura.” Ao que o professor Carneiro respondeu com firmeza, defendendo o trabalho técnico da comissão e acusando Ruy Barbosa de elitismo linguístico e de desprezo pela linguagem própria do direito.
Duro no conteúdo, o debate preservou a elegância das disputas entre detentores de reconhecida capacidade em seus campos, embora, como é próprio de polêmicas dessa envergadura, a elegância nem sempre disfarça a ironia. Ficou célebre uma objeção de Ruy com essa sutileza entre cortês e letal, a propósito de um destaque de redação: “Eu não escreveria assim, mas ai de mim de aí pôr as mãos”. A frase revela, com elegância e ironia, a tensão central do debate: embora Ruy Barbosa discordasse da forma como certos trechos haviam sido redigidos — do ponto de vista estilístico e gramatical —, ele reconhecia a delicadeza institucional e a gravidade jurídica de intervir diretamente num texto que já havia passado por longas discussões e tramitações legislativas.
Trago esses elementos dada a sua importância enquanto reflete a tensão entre juridicismo técnico e filologia humanista. Mostra o embate entre forma e conteúdo na elaboração de normas jurídicas.
Mais do que uma disputa pessoal ou técnica, o debate foi preservado como expressão do dilema entre o jurista-literato e o jurista-pragmático, entre o ideal da lei como obra de arte e o da lei como instrumento funcional. Ainda hoje, esse episódio inspira reflexões sobre clareza, acessibilidade e legitimidade da linguagem jurídica no Brasil.
E, sem dúvida, marca e influenciou as discussões sobre linguagem jurídica, inclusive em reformas legislativas, antecipando o debate que a monografia traz sobre a democratização do direito pelo uso de linguagem acessível.
Em homenagem a uma esgrima parlamentar, quando então os debates nessa esfera de deliberação se faziam à altura do pé direito e não ao nível do roda-pé como assistimos hoje (penso na minha própria experiência quando compareci como convidado a audiência na chamada CPI do MST), trago um pequeno trecho com a justificativa de Ruy Barbosa para se inserir regimentalmente no debate:
Mas, dada a posição que me designastes, a pendencia nesse terreno escabroso e esmarrido era inevitavel. Não a determinaria somente a minha maneira de ver sobre as relações intimas entre a sciencia e a arte, entre a essencia e a forma nas obras do espirito e da palavra, em cujo numero não se poderão deixar de incluir as grandes codificações, antigas, ou modernas. A essa necessidade fatalmente me teria de levar o imperioso exemplo dado, já pela camara, já pela sua commissão especial. A primeira votara e consignara nos seus Annaes emendas, cujo objecto era corrigir accidentes grammaticaes, por assim dizer, indifferentes. A segunda adoptara e registara, nas suas actas impressas, rectificações, cuja extrema severidade, baixando á propria orthographia, mandava derriscar até letras, escusadas talvez, mas inoffensivas, nos vocabulos do texto, revisto e approvado.
Entre a revisão ultragrammatical, porém, por que passara na commissão, e a revisão grammatical, por que passou na Camara, sujeitou-se, por deliberação daquella, o projecto a terceira prova, da mesma natureza, mas em que, pelas circumstancias, se accentuou ainda mais ao vivo, com traços novos e inauditos, a preoccupação de esmero literario, apparente nos primeiros elaboradores parlamentares do projecto. Depois de adoptado pela commissão especial da Camara e, como tal, estampado no Diario do Congresso, remetteram-no a um grammatico extraparlamentar, o dr. CARNEIRO, professor na Bahia, para cuja sciencia da lingua se appellava, e cuja errata, alinhavada em alguns dias, foi subscripta, sem debate, nem exame, nemine discrepante, pela commissão especial. Era a primeira vez que se descontinuava a lucubração parlamentar de uma lei, para se entregar, fóra da assembléa onde se estivesse fazendo, ao arbitramento literario de estranhos. Era, ainda, a primeira vez que se confiava a redacção de um codigo civil, seara até aqui exclusiva de jurisperitos, ao tribunal singular de um linguista. Tão soberanamente actuava nos codificadores da outra casa do Congresso a obsessão artistica de que o projecto lhes saisse das mãos sem a menor mácula de linguagem.
Senado Federal – Commissão do Codigo Civil. Replica do Senador Ruy Barbosa ás defesas da redacção do projecto da Camara dos Deputados
Reprodução ipsis literis de artigo publicado na Revista de Lingua Portuguesa — archivo de estudos relativos ao idioma e literatura nacionaes, n. 1, p. 39-45, set. 1919 e n. 2, p. 113-137, nov. 1919.
file:///C:/Users/HP/Downloads/159-Texto%20do%20artigo-392-1-10-20071120.htm, in https://revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/issue/view/16.
Penso que é nessa disposição que se situa uma tradição recente de avaliação dos modos de relacionamento entre o sistema de justiça e os meios de comunicação – a propósito a minha participação na mesa O Poder Judiciário no Brasil Atual, juntamente com a ministra Eliana Calmon e o ministro Nélson Azevedo Jobim (in As relações do Poder Judiciário com a imprensa / Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. – Brasília : CJF 1995. 150 p. (Cadernos do CEJ, v. 12); ou de elaborações de manuais de redação, não só jornalísticos – a esse respeito eu próprio já participei do debate conforme meu artigo SOUSA JUNIOR, J. G. . O Código de Ética do Correio Braziliense. Correio Braziliense, Brasília, DF, p. 13 – 13, 17 nov. 1997 – relevo para o Manual de Redação da Presidência da República (Gilmar Ferreira Mendes [et al] – Brasília: Presidência da República, 1991, fruto do trabalho de uma comissão presidida pelo Sub-Secretário da Presidência da República. Uma obra com conteúdo (há uma verdadeira teoria das normas, na qual se reconhece a fundamentação de uma das principais contribuições teóricas do presidente da comissão, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (seu ex-Presidente).
Nela, se surpreende pois tal como dizia Ortega y Gasset, o sistema, que é a ética do pensador; mas igualmente a clareza, que é a sua cortesia. No Manual está assentado que “Não se concebe que um ato normativo de qualquer natureza seja redigido de forma obscura, que dificulte ou impossibilite sua compreensão. A transparência do sentido dos atos normativos, bem como sua inteligibilidade, são requisitos do próprio Estado de Direito: é inaceitável que um texto legal não seja entendido pelos cidadãos. A publicidade implica, pois, necessariamente, clareza e concisão”.
Pensando ainda as premissas do trabalho de Ana Vitória, resgato Tadeu Luciano Siqueira Andrade. A Vulnerabilidade Comunicativa em Audiências nas Varas de Relações de Consumo: uma Análise à Luz da Ecolinguística. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília – UnB. Brasília, 2021, de cuja banca participei.
O tema proposto por Tadeu traz grande novidade e assegura o ineditismo da tese ao desenvolver a abordagem comunicacional sob a perspectiva ecolinguísta. Eu próprio já havia participado de análise de trabalhos com o mesmo alcance empírico, porém, sob o impulso de teorias da comunicação. Assim, por exemplo, NEGRINI, Vanessa. Comunicação pública e efetividade da Justiça: uma análise dos processos comunicacionais nos Juizados Especiais Cíveis do Distrito Federal. 2017. 211 f., il. Dissertação (Mestrado em Comunicação)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
A dissertação de Negrini, anoto que Tadeu a levou em consideração, incluindo-a em sua bibliografia, é o que está no Repositório, “aborda comunicação pública e efetividade da justiça a partir da análise dos processos comunicacionais no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis do Distrito Federal, à luz das teorias da comunicação pública, do direito humano à informação e sob a perspectiva do O Direito Achado na Rua. O objetivo geral é avaliar se as políticas públicas de comunicação e os processos comunicativos organizacionais, em vigor no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, contribuem para a efetividade indiscriminada, independentemente de fatores sociais como renda e escolaridade.”.
Mais próxima da perspectiva de Tadeu, em seu estudo sobre variações estilísticas em discursos do meio acadêmico (lembro da Autora acompanhando reuniões do Conselho da Faculdade de Direito da UnB, anotando as variações discursivas dos conselheiros, professores, servidores e estudantes) é a dissertação da atualmente professora do próprio Instituto de Letras da UnB Cibele Brandão, “Do discurso formal para o informal: um estudo de variação estilística no meio acadêmico”.
Seu estudo consiste, ela própria resume, na “descrição, por meio de microanálises interacionais, do comportamento de membros da comunidade acadêmica ao fazerem a troca do estilo formal pelo informal em situações de fala formais típicas do contexto institucional a que eles pertencem: reuniões de conselhos acadêmicos. A pesquisa se situa no campo da Sociolinguística Interacional e incorpora, para fins de análise, contribuições da metodologia etnográfica, da Pragmática e da Análise da Conversação aplicada a contextos institucionais. A variação estilística é analisada no meio acadêmico como estratégia discursiva de que o falante se serve para obter mais eficiência na comunicação. Demonstra-se, neste trabalho, que a caracterização de estilos na fala não pode ser feita mediante parâmetro único. Ela atende a uma combinação de fatores linguísticos e contextuais interrelacionados, em razão do caráter complexo e multifacetado que o discurso formal e o informal encerram. Esta pesquisa pode contribuir para os estudos de variação estilística na interação face a face, haja vista o papel que essa estratégia desempenha na competência comunicativa dos falantes”.
Sob essa mesma perspectiva é que Tadeu pode encaminhar as conclusões da Tese acentuando proposições que confortam, sob a perspectiva do Direito e do Direito Achado na Rua, um programa que arme o jurisdicionado para capacitar-se com sua própria linguagem, para a titularidade dos Direitos: “i) pensarmos um novo estudo acerca das interações no contexto forense, sobretudo no Juizado Especial Cível; ii) refletirmos o ensino jurídico no Brasil, onde o futuro profissional do direito é preparado para estudar doutrinas como se o direito estivesse restrito aos tribunais e cristalizados nos códigos; iii) inserirmos, nos cursos jurídicos, os fundamentos da ecolinguística e de O DAR, visando à criação de uma ecolinguística jurídica; iv) desmitificarmos a audiência como um espaço restrito ao direito positivado, mas considerá-la com um ambiente fundamentado nas regras de interação de onde nasce o direito, devendo existir o verdadeiro diálogo e o respeito mútuo; v) adotarmos pressupostos da linguística ecossistêmica à audiência, uma vez que esse evento é uma interação muito mais ampla que a definida pelo direito estatal”.
(Ver, sobre https://estadodedireito.com.br/a-vulnerabilidade-comunicativa-em-audiencias-nas-varas-de-relacoes-de-consumo/).
Aproveito para celebrar na Banca de Ana Vitória a participação da professora Loussia Penha Musse Félix. Em “Da Reinvenção do Ensino Jurídico: Considerações sobre a Primeira Década”, (Brasília: OAB,2001), texto visceral publicado em OAB Recomenda Um Retrato dos Cursos Jurídicos com foco no perfil do bacharel em Direito e nas competências e habilidades essenciais, pensando a formação propriamente dita, a professora Loussia Félix põe em causa as habilidades comunicativas e expressivas, na formação de bacharéis em Direito, com a consideração de que a densidade ética da educação jurídica não frustre a expectativa de que o bacharel saiba apreender, mas também transmitir criticamente e de forma criativa o Direito.
Embora não abra uma abordagem específica, a atenção da professora Loussia Felix com o tema da formação, aponta para a necessidade de inserir na formação dos estudantes competências comunicativas aptas a desenvolver capacidade de expressão clara e didática, o que, a meu ver, se alinha ao movimento de linguagem simples. Ela entende a comunicação jurídica como habilidade essencial, tanto no ensino quanto na prática, para aproximar o Direito das pessoas comuns, vale dizer, compreender que a comunicação clara é fundamental para ampliar o acesso à justiça e tornar o Direito acessível. Para ela a formação, assim, forma um novo bacharel crítico, capaz de refletir sobre o fenômeno jurídico; ético, comprometido com a função social do Direito, mas também comunicativo, apto a dialogar com complexidades subjetivas que se movem no social e o transformam.
Nota-se essa perspectiva entre as muitas contribuições da professora, na elaboração das diretrizes que organizam o novo projeto pedagógico da Faculdade de Direito da UnB, assim como elas foram inseridas nos debates sobre reformas do ensino jurídico no Brasil, na OAB e no MEC e, sobretudo, como organizadora de projetos como o Tuning Latin America – Ensino Superior, no qual ela participou, representando o MEC, nos fóruns internacionais que discutem a formação por competências no ensino jurídico, conectando o Brasil a padrões acadêmicos globais e introduzindo modelos comparativos de formação profissional.
É um privilégio poder ter a professora Loussia na banca, afinal, uma verdadeira certificação para a validação dos achados do trabalho ora submetido a avaliação, principalmente quando orientado pelo professor Benedito Cerezzo que tem se distinguido por sua participação nos fóruns institucionais e comitês de aperfeiçoamento e revisão democrático-modernizadora da codificação processual civil.
A pesquisa de Ana Vitória analisou a linguagem jurídica sob múltiplas perspectivas — quantitativa, qualitativa, teórica e prática — e confirmou que ela permanece inacessível à maioria da população brasileira, devido ao excesso de tecnicismos, rebuscamento e vocabulário antiquado. Essa forma de comunicação compromete o direito à compreensão e, com isso, o acesso à Justiça.
Os dados por ela coletados mostram que 97% dos participantes reconhecem que a linguagem complexa dificulta o acesso à Justiça, e 84% acreditam que a simplificação pode melhorar a situação. A pesquisa também revela que a resistência à simplificação não é técnica, mas está enraizada em padrões culturais do meio jurídico, como apego ao formalismo, status e medo de perda de autoridade.
Cuidado que ela indica ser necessário prevenir quando sugere o uso de ferramentas como Visual Law, Legal Design e Inteligência Artificial como meios eficazes de tornar o Direito mais acessível, sem comprometer sua técnica. Elas contribuem para uma comunicação clara, lógica e centrada no usuário.
Outro achado importante foi o fenômeno do “falso saber jurídico”: muitos profissionais repetem termos sem compreendê-los plenamente. Isso revela que o juridiquês é muitas vezes um ritual de linguagem vazia, sem função social real.
O trabalho também reconheceu avanços institucionais, como o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples e ações do CNJ, mas enfatizou que a mudança depende de uma transformação cultural e do comprometimento de toda a comunidade jurídica.
Por fim, o texto conclui que a linguagem jurídica deve ser instrumento de inclusão e emancipação. Simplificar não é empobrecer o Direito, mas devolver-lhe seu sentido verdadeiro: comunicar com clareza e garantir o acesso à Justiça.
Aprendo com Ana Vitória que Visual Law e Legal Design são abordagens inovadoras que buscam tornar a comunicação jurídica mais clara, acessível e centrada no ser humano, especialmente para quem não é da área do Direito. Eles combinam direito, design e tecnologia para melhorar o entendimento e o acesso à informação jurídica, sem abrir mão da precisão técnica.
O Legal Design é uma metodologia que aplica os princípios do design thinking ao Direito. Ou seja, coloca o usuário no centro do processo jurídico e busca soluções mais empáticas, funcionais e compreensíveis, com os objetivos de tornar o Direito mais acessível, compreensível e útil; de melhorar a experiência do usuário (seja ele cliente, cidadão, parte ou servidor); de poder repensar documentos, processos e até serviços jurídicos sob uma lógica funcional, visual e participativa, permitindo aplicações que deixem mais simples e ilustrados modelagens contratuais, e a elaboração de petições mais organizadas, com linguagem clara; além da reformulação de processos judiciais ou administrativos para serem mais compreensíveis.
O Visual Law como uma das ferramentas do Legal Design se presta ao uso de elementos visuais para comunicar o conteúdo jurídico de maneira mais clara, direta e acessível, a exemplo de ícones, gráficos, infográficos para realce de informações, e o emprego de mapas mentais, timelines, fluxogramas e layouts que favorecem leitura rápida e compreensão, já encontrados até em sentenças judiciais (já usadas por alguns tribunais), mas muito usados em relatórios de impacto jurídico ou pareceres institucionais.
Percebi que a atenção de Ana para esses usos é motivada com a preocupação de vencer a linguagem tradicional do Direito — muitas vezes hermética, técnica e rebuscada, que afasta o cidadão comum e dificulta o acesso à Justiça, porque assim se reduz a compreensão das normas e decisões e por consequência a transparência e a confiança nas instituições jurídicas, especialmente em contextos de vulnerabilidade social ou baixa escolarização.
Com certeza essa é uma preocupação legítima. Mas a minha questão para Ana Vitória é aquela que encontrei por ocasião do Seminário “Artificial Intelligence, Justice, and Democracy. Pan-American Committee of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine, and Fray Bartolomé de las Casas Legal Research Institute”, realizado no início de março na Casina Pio IV, por convocação do Papa Francisco e da Academia de Ciências Sociais do Vaticano (https://www.pass.va/en/events/2025/artificial_intelligence/final_statement.html).
Participei e assinei a declaração de consenso adotada ao final do Seminário https://estadodedireito.com.br/declaracao-de-consenso-do-workshop-sobre-inteligencia-artificial-justica-e-democracia-comite-pan-americano-de-juizes-para-os-direitos-sociais-e-a-doutrina-franciscana-e-instituto-de-pesquisas-juridi/. E dela retiro a parte que circunscreve a atenção ao papel da Inteligência Artificial nos sistemas de justiça, para por em relevo seus potenciais benefícios e riscos, riscos e benefícios que podem estar também condicionando as melhores intenções de Ana Vitória em seu belo trabalho:
- No que toca à eficiência e Acesso: A IA tem o potencial de agilizar processos legais, tornando a justiça mais acessível e eficiente. No entanto, isso não deve prejudicar o devido processo legal ou os direitos individuais.
- Policiamento preditivo: embora ferramentas de policiamento preditivo baseadas em IA possam aumentar a eficiência da aplicação da lei, elas correm o risco de perpetuar preconceitos existentes e policiar excessivamente certas comunidades.
- Apoio à Decisão Judicial: Sistemas de IA podem auxiliar juízes fornecendo jurisprudência e precedentes relevantes. No entanto, a autoridade decisória final deve permanecer com juízes humanos para garantir a compreensão contextual e as considerações éticas.
- Viés na sentença: os participantes expressaram preocupação com o uso de IA em decisões de sentença, observando o potencial de vieses incorporados levarem a resultados injustos, especialmente para comunidades marginalizadas.
Atendendo ao apelo do Papa Francisco, o Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia encerrou-se com um compromisso renovado de garantir que a IA sirva aos melhores interesses da humanidade. Ao enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades apresentadas pela IA, podemos trabalhar em direção a um futuro em que a tecnologia promova a justiça, fortaleça a democracia e defenda a dignidade humana. Nas conclusões do seminário os participantes comprometeram-se a dar continuidade a este diálogo vital e a traduzir estes princípios em políticas e práticas viáveis nos seus respetivos campos e jurisdições. Lendo a monografia de Ana Vitória me tranquilizo por divisar que seu interesse por novas tecnologias e sofisticação de abordagens, preservam os mesmos compromissos éticos e de democratização de acesso à Justiça de modo a preservar a necessária materialidade de sua distribuição, atendendo as novas indicações para simplificação e popularização da linguagem do Direito.