quarta-feira, 30 de julho de 2025

 

Análise Crítica da Linguagem Jurídica: Tecnologia, desafios da compreensão e o visual law como facilitador da comunicação

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Ana Vitória Gomes de Oliveira Vieira. Análise Crítica da Linguagem Jurídica: Tecnologia, desafios da compreensão e o visual law como facilitador da comunicação. Faculdade de Direito da UnB/Monografia de conclusão de curso de bacharelado em Direito. Brasília, 2025, 81 f.               

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A monografia foi apresentada, defendida a aprovada perante a Banca Examinadora, da qual participei e que foi formada pelo professor Benedito Cerezzo Pereira Filho — Orientador (FD/UnB) e pela professora Loussia Penha Musse Felix, também da Faculdade de Direito da UnB.

Uma satisfação justificada em poder acompanhar esse momento de finalização da trajetória de Ana Vitória Gomes de Oliveira Vieira. Nossos vínculos acadêmicos se estabeleceram logo em seu primeiro semestre do curso na disciplina Pesquisa Jurídica. Concluída com alto aproveitamento ela se tornou nos semestres seguintes monitora da disciplina e se firmou como monitora-senior, qualificando-se como auxiliar docente. Desde então Ana tem me apoiado na regência da disciplina e pelo menos uma vez a cada semestre, com muito domínio de conteúdo e de performance apresenta para os estudantes o conhecimento e os modos de aplicação das regras da ABNT, com muito proveito de atualização para mim também. Jovem propositiva ela pode ser vista no seu canal instagram – direitudo, “numa conversa de estudante para estudante”, sobre temas que implicam compreender o trabalho acadêmico (“delimitando o tema”, “o dilema do TCC” “dicas ABNT”…). Para acompanhar, em efeito demonstração, https://www.youtube.com/watch?v=OLM1zotHO1A – 5 dicas sobre ABNT).

Sobre a monografia de Ana Vitória, remeto ao Resumo:

O presente trabalho propõe uma análise crítica da linguagem jurídica, com foco em sua complexidade comunicativa e nos impactos sociais decorrentes do seu uso. A pesquisa parte da constatação de que a linguagem jurídica, historicamente marcada por tecnicismos e formalismos excessivos, frequentemente compromete sua função comunicativa ao se tornar inacessível ao cidadão comum. Diante disso, questiona-se: qual é o real papel da linguagem no Direito e de que forma ela pode ser transformada para promover uma comunicação mais eficiente, democrática e cidadã? Discute-se, então, a linguagem não apenas como instrumento técnico, mas também como expressão de poder, exclusão e identidade profissional. Ao longo do estudo, exploram-se as tensões entre a tradição e a necessidade de adaptação linguística, bem como a constatação de um “falso saber” mascarado de técnica no âmbito jurídico. Propõe-se que a simplificação da linguagem jurídica não implica na perda de rigor técnico, mas sim compromisso com a clareza, a eficácia e a democratização do Direito.

 

O texto, no seu desdobramento, trata da linguagem jurídica — o chamado “juridiquês” — e de como ela afeta o acesso ao Direito no Brasil. Parte da constatação de que, embora o Direito tenha raízes tradicionais, sua linguagem deveria ser clara e acessível, não apenas para juristas, mas também para os cidadãos comuns, que são os verdadeiros destinatários das normas jurídicas.

Entretanto, o que se observa, segundo ela, é a elitização da linguagem jurídica, compreendida apenas por uma parcela da população que passou por formação específica. Muitos bacharéis, inclusive, acabam não atuando na área, e apenas parte dos profissionais realmente se dedica a simplificar os problemas jurídicos da população.

A pesquisa apresentada investiga quão necessária é essa complexidade linguística e como torná-la mais compreensível, sem perder a precisão técnica. Considera-se, nesse sentido, o uso de linguagem simples, tecnologias e o visual law como ferramentas para democratizar o acesso ao Direito.

O estudo se vale de uma metodologia mista: primeiro, um questionário com 350 pessoas identificou o nível de compreensão de termos jurídicos; depois, entrevistas qualitativas com quatro grupos: Magistrados — para discutir percepções institucionais sobre a linguagem e sua simplificação; Juristas em formação e advogados — para analisar os impactos do juridiquês na prática; Cidadãos não juristas — para avaliar experiências reais e dificuldades de compreensão; Sugestões espontâneas — sobre como tornar o Judiciário mais claro.

O trabalho conclui que o juridiquês atua como instrumento de exclusão e poder, mas que pode se transformar em uma ferramenta de acesso e cidadania, se houver investimento em educação jurídica acessível e inovação na comunicação institucional.

Ainda na Introdução a Autora declina como concebeu a arquitetura de sua monografia:

Este trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro apresenta o referencial teórico que embasa a pesquisa, abordando a linguagem como instrumento jurídico, a tradição do juridiquês e os avanços promovidos por tecnologias como o Visual Law e a Inteligência Artificial. O segundo capítulo aprofunda as propostas de inovação comunicacional no Direito, explorando os limites e possibilidades da simplificação da linguagem jurídica. O terceiro capítulo se dedica à análise crítica dos argumentos em disputa sobre a linguagem jurídica, reunindo visões favoráveis e contrárias à sua simplificação, com destaque para as entrevistas realizadas com magistrados. Por fim, o quarto capítulo apresenta os resultados da etapa empírica da pesquisa, analisando os dados coletados por meio de questionário e discutindo suas implicações para o acesso à justiça e a comunicação no meio jurídico.

Expostas as premissas deste trabalho, gostaria de fazer um convite ao leitor: é importante tentar esvaziar-se das preconcepções que eventualmente vem à mente em relação à linguagem – seja ela simples ou complexa –, bem como em relação aos demais termos aqui explorados, como visual law, legal design e inteligência artificial, de modo que se possa analisar o conjunto de forma realista e eficaz. Para tanto, o presente trabalho também se preocupa em levar ao leitor o real significado e conceito de cada termo, dentro de sua respectiva esfera de aplicabilidade, a fim que se tenha uma coesa e objetiva desenvoltura para, então, concluir as análises reveladas pela pesquisa.

Em sua estrutura analítica, o texto enquadra o debate sobre os prós e contras da linguagem simples no Direito, evidenciando as tensões entre a tradição técnico-jurídica e a demanda por clareza e acessibilidade.

De um lado, diz Ana, há quem defenda o “juridiquês” como marca de identidade profissional, erudição e rigor técnico. Juristas como Lenio Streck e Sabatini Giampietro Netto argumentam que a simplificação pode empobrecer o pensamento jurídico, gerar superficialidade e comprometer a densidade teórica, sobretudo em tempos de automatização e uso acrítico de modelos prontos.

De outro lado, há quem veja a simplificação como condição para o acesso à justiça. Autores como Souza, o juiz Rodrigo Collaço e a ministra Nancy Andrighi defendem uma linguagem clara e didática, que preserve a técnica, mas elimine o rebuscamento desnecessário que dificulta a compreensão das decisões por parte dos cidadãos comuns.

Ela se refere ao juiz João Marcos Guimarães no que este acrescenta uma crítica importante: o uso do juridiquês pode ser uma estratégia de autoproteção para esconder fragilidades argumentativas, funcionando como barreira de exclusão e falsa autoridade. Aliás, o magistrado se fez presente e acompanhou a apresentação e a defesa da monografia.

A conclusão é que o desafio não está em escolher entre simplicidade e técnica, mas em conciliar clareza e precisão. A linguagem jurídica deve cumprir sua função social, comunicando com todos os destinatários do Direito — sem cair no simplismo raso nem no obscurantismo elitista. E eu acrescento, é um lugar de tensionamento político que convoca para disputas acirradas em torno a projetos de vida e de sociedade. Penso, com Roland Barthes a dimensão política da língua no que o grande semiólogo adverte sobre o seu caráter fascista. Fascista diz ele, não porque interdite ou censure o dizer, mas porque embute pré-compreensões e preconceitos socialmente inseridos nos discursos, que vinculam e que obrigam (A Lição. São Paulo: Cultrix, 1980).

Quero dizer que o trabalho de Ana Vitória retoma uma questão candente demarcada na cultura jurídica, particularmente no Brasil e que remonta ao debate entre Ruy Barbosa e o professor José Joaquim Carneiro de Campos (professor Carneiro) acerca da revisão filológica do Projeto de Código Civil de 1917. Um episódio marcante da história jurídica e linguística brasileira. Ele evidencia a tensão entre o rigor jurídico e o apuro linguístico-literário, num momento em que o Brasil se preparava para consolidar sua legislação civil em um único corpo normativo.

Para contextualizar esse marcante debate é preciso lembrar que o Código Civil brasileiro começou a ser elaborado em 1899, sob responsabilidade do jurista Clóvis Beviláqua. Promulgado em 1916, entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917. Antes disso, passou por várias fases de discussão, revisão e emendas. Uma das etapas finais foi a revisão filológica, isto é, uma revisão da linguagem do texto legal, não apenas do conteúdo jurídico.

Ruy Barbosa, então senador, considerava a correção gramatical e o estilo linguístico parte essencial da clareza e da nobreza das leis. Era crítico de redações que considerava obscuras, truncadas ou tecnicamente falhas do ponto de vista da linguagem.

José Joaquim Carneiro de Campos era jurista, professor da Faculdade de Direito do Recife e integrante da comissão revisora do projeto, defendia a versão original do texto de Clóvis Beviláqua, com menos preocupação com a estética literária e mais com a precisão técnica e jurídica.

O centro do debate se definiu quando Ruy Barbosa criticou duramente a linguagem do projeto, que considerava barbárica, obscura e incorreta do ponto de vista gramatical e estilístico. Ele argumentava que uma lei civil, que regeria a vida de todos os cidadãos, deveria ter linguagem clara, elegante e correta, de modo que fosse compreensível e respeitosa da língua nacional.

O professor Carneiro, por sua vez, reagiu à crítica de Ruy Barbosa, defendendo que a linguagem jurídica tem características próprias, exigindo precisão técnica, o que nem sempre coincide com a estética literária. Argumentava que Ruy Barbosa fazia exigências literárias que podiam comprometer a funcionalidade do texto legal.

Entre as várias admoestações Ruy sustentava que “A linguagem da lei há de ser tão correta quanto a da ciência e tão pura quanto a da literatura.” Ao que o professor Carneiro respondeu com firmeza, defendendo o trabalho técnico da comissão e acusando Ruy Barbosa de elitismo linguístico e de desprezo pela linguagem própria do direito.

Duro no conteúdo, o debate preservou a elegância das disputas entre detentores de reconhecida capacidade em seus campos, embora, como é próprio de polêmicas dessa envergadura, a elegância nem sempre disfarça a ironia. Ficou célebre uma objeção de Ruy com essa sutileza entre cortês e letal, a propósito de um destaque de redação: “Eu não escreveria assim, mas ai de mim de aí pôr as mãos”. A frase revela, com elegância e ironia, a tensão central do debate: embora Ruy Barbosa discordasse da forma como certos trechos haviam sido redigidos — do ponto de vista estilístico e gramatical —, ele reconhecia a delicadeza institucional e a gravidade jurídica de intervir diretamente num texto que já havia passado por longas discussões e tramitações legislativas.

Trago esses elementos dada a sua importância enquanto reflete a tensão entre juridicismo técnico e filologia humanista. Mostra o embate entre forma e conteúdo na elaboração de normas jurídicas.

Mais do que uma disputa pessoal ou técnica, o debate foi preservado como expressão do dilema entre o jurista-literato e o jurista-pragmático, entre o ideal da lei como obra de arte e o da lei como instrumento funcional. Ainda hoje, esse episódio inspira reflexões sobre clareza, acessibilidade e legitimidade da linguagem jurídica no Brasil.

E, sem dúvida, marca e influenciou as discussões sobre linguagem jurídica, inclusive em reformas legislativas, antecipando o debate que a monografia traz sobre a democratização do direito pelo uso de linguagem acessível.

Em homenagem a uma esgrima parlamentar, quando então os debates nessa esfera de deliberação se faziam à altura do pé direito e não ao nível do roda-pé como assistimos hoje (penso na minha própria experiência quando compareci como convidado a audiência na chamada CPI do MST), trago um pequeno trecho com a justificativa de Ruy Barbosa para se inserir regimentalmente no debate:

Mas, dada a posição que me designastes, a pendencia nesse terreno escabroso e esmarrido era inevitavel. Não a determinaria somente a minha maneira de ver sobre as relações intimas entre a sciencia e a arte, entre a essencia e a forma nas obras do espirito e da palavra, em cujo numero não se poderão deixar de incluir as grandes codificações, antigas, ou modernas. A essa necessidade fatalmente me teria de levar o imperioso exemplo dado, já pela camara, já pela sua commissão especial. A primeira votara e consignara nos seus Annaes emendas, cujo objecto era corrigir accidentes grammaticaes, por assim dizer, indifferentes. A segunda adoptara e registara, nas suas actas impressas, rectificações, cuja extrema severidade, baixando á propria orthographia, mandava derriscar até letras, escusadas talvez, mas inoffensivas, nos vocabulos do texto, revisto e approvado.

Entre a revisão ultragrammatical, porém, por que passara na commissão, e a revisão grammatical, por que passou na Camara, sujeitou-se, por deliberação daquella, o projecto a terceira prova, da mesma natureza, mas em que, pelas circumstancias, se accentuou ainda mais ao vivo, com traços novos e inauditos, a preoccupação de esmero literario, apparente nos primeiros elaboradores parlamentares do projecto. Depois de adoptado pela commissão especial da Camara e, como tal, estampado no Diario do Congresso, remetteram-no a um grammatico extraparlamentar, o dr. CARNEIRO, professor na Bahia, para cuja sciencia da lingua se appellava, e cuja errata, alinhavada em alguns dias, foi subscripta, sem debate, nem exame, nemine discrepante, pela commissão especial. Era a primeira vez que se descontinuava a lucubração parlamentar de uma lei, para se entregar, fóra da assembléa onde se estivesse fazendo, ao arbitramento literario de estranhos. Era, ainda, a primeira vez que se confiava a redacção de um codigo civil, seara até aqui exclusiva de jurisperitos, ao tribunal singular de um linguista. Tão soberanamente actuava nos codificadores da outra casa do Congresso a obsessão artistica de que o projecto lhes saisse das mãos sem a menor mácula de linguagem.

Senado Federal – Commissão do Codigo Civil. Replica do Senador Ruy Barbosa ás defesas da redacção do projecto da Camara dos Deputados

Reprodução ipsis literis de artigo publicado na Revista de Lingua Portuguesa — archivo de estudos relativos ao idioma e literatura nacionaes, n. 1, p. 39-45, set. 1919 e n. 2, p. 113-137, nov. 1919.

file:///C:/Users/HP/Downloads/159-Texto%20do%20artigo-392-1-10-20071120.htm, in https://revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/issue/view/16.

Penso que é nessa disposição que se situa uma tradição recente de avaliação dos modos de relacionamento entre o sistema de justiça e os meios de comunicação – a propósito a minha participação na mesa O Poder Judiciário no Brasil Atual, juntamente com a ministra Eliana Calmon e o ministro Nélson Azevedo Jobim (in As relações do Poder Judiciário com a imprensa / Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. – Brasília : CJF 1995. 150 p. (Cadernos do CEJ, v. 12); ou de elaborações de manuais de redação, não só jornalísticos – a esse respeito eu próprio já participei do debate conforme meu artigo SOUSA JUNIOR, J. G. . O Código de Ética do Correio Braziliense. Correio Braziliense, Brasília, DF, p. 13 – 13, 17 nov. 1997 – relevo para o Manual de Redação da Presidência da República (Gilmar Ferreira Mendes [et al] – Brasília: Presidência da República, 1991, fruto do trabalho de uma comissão presidida pelo Sub-Secretário da Presidência da República. Uma obra com conteúdo (há uma verdadeira teoria das normas, na qual se reconhece a fundamentação de uma das principais contribuições teóricas do presidente da comissão, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (seu ex-Presidente).

Nela, se surpreende pois tal como dizia Ortega y Gasset, o sistema, que é a ética do pensador; mas igualmente a clareza, que é a sua cortesia. No Manual está assentado que “Não se concebe que um ato normativo de qualquer natureza seja redigido de forma obscura, que dificulte ou impossibilite sua compreensão. A transparência do sentido dos atos normativos, bem como sua inteligibilidade, são requisitos do próprio Estado de Direito: é inaceitável que um texto legal não seja entendido pelos cidadãos. A publicidade implica, pois, necessariamente, clareza e concisão”.

Pensando ainda as premissas do trabalho de Ana Vitória, resgato Tadeu Luciano Siqueira Andrade. A Vulnerabilidade Comunicativa em Audiências nas Varas de Relações de Consumo: uma Análise à Luz da Ecolinguística. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília – UnB. Brasília, 2021, de cuja banca participei.

O tema proposto por Tadeu traz grande novidade e assegura o ineditismo da tese ao desenvolver a abordagem comunicacional sob a perspectiva ecolinguísta. Eu próprio já havia participado de análise de trabalhos com o mesmo alcance empírico, porém, sob o impulso de teorias da comunicação. Assim, por exemplo, NEGRINI, Vanessa. Comunicação pública e efetividade da Justiça: uma análise dos processos comunicacionais nos Juizados Especiais Cíveis do Distrito Federal. 2017. 211 f., il. Dissertação (Mestrado em Comunicação)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

A dissertação de Negrini, anoto que Tadeu a levou em consideração, incluindo-a em sua bibliografia, é o que está no Repositório, “aborda comunicação pública e efetividade da justiça a partir da análise dos processos comunicacionais no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis do Distrito Federal, à luz das teorias da comunicação pública, do direito humano à informação e sob a perspectiva do O Direito Achado na Rua. O objetivo geral é avaliar se as políticas públicas de comunicação e os processos comunicativos organizacionais, em vigor no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, contribuem para a efetividade indiscriminada, independentemente de fatores sociais como renda e escolaridade.”.

Mais próxima da perspectiva de Tadeu, em seu estudo sobre variações estilísticas em discursos do meio acadêmico (lembro da Autora acompanhando reuniões do Conselho da Faculdade de Direito da UnB, anotando as variações discursivas dos conselheiros, professores, servidores e estudantes) é a dissertação da atualmente professora do próprio Instituto de Letras da UnB Cibele Brandão, “Do discurso formal para o informal: um estudo de variação estilística no meio acadêmico”.

Seu estudo consiste, ela própria resume, na “descrição, por meio de microanálises interacionais, do comportamento de membros da comunidade acadêmica ao fazerem a troca do estilo formal pelo informal em situações de fala formais típicas do contexto institucional a que eles pertencem: reuniões de conselhos acadêmicos. A pesquisa se situa no campo da Sociolinguística Interacional e incorpora, para fins de análise, contribuições da metodologia etnográfica, da Pragmática e da Análise da Conversação aplicada a contextos institucionais. A variação estilística é analisada no meio acadêmico como estratégia discursiva de que o falante se serve para obter mais eficiência na comunicação. Demonstra-se, neste trabalho, que a caracterização de estilos na fala não pode ser feita mediante parâmetro único. Ela atende a uma combinação de fatores linguísticos e contextuais interrelacionados, em razão do caráter complexo e multifacetado que o discurso formal e o informal encerram. Esta pesquisa pode contribuir para os estudos de variação estilística na interação face a face, haja vista o papel que essa estratégia desempenha na competência comunicativa dos falantes”.

Sob essa mesma perspectiva é que Tadeu pode encaminhar as  conclusões da Tese acentuando  proposições que confortam, sob a perspectiva do Direito e do Direito Achado na Rua, um programa que arme o jurisdicionado para capacitar-se com sua própria linguagem, para a titularidade dos Direitos: “i) pensarmos um novo estudo acerca das interações no contexto forense, sobretudo no Juizado Especial Cível; ii) refletirmos o ensino jurídico no Brasil, onde o futuro profissional do direito é preparado para estudar doutrinas como se o direito estivesse restrito aos tribunais e cristalizados nos códigos; iii) inserirmos, nos cursos jurídicos, os fundamentos da ecolinguística e de O DAR, visando à criação de uma ecolinguística jurídica; iv) desmitificarmos a audiência como um espaço restrito ao direito positivado, mas considerá-la com um ambiente fundamentado nas regras de interação de onde nasce o direito, devendo existir o verdadeiro diálogo e o respeito mútuo; v) adotarmos pressupostos da linguística ecossistêmica à audiência, uma vez que esse evento é uma interação muito mais ampla que a definida pelo direito estatal”.

(Ver, sobre https://estadodedireito.com.br/a-vulnerabilidade-comunicativa-em-audiencias-nas-varas-de-relacoes-de-consumo/).

Aproveito para celebrar na Banca de Ana Vitória a participação da professora Loussia Penha Musse Félix. Em “Da Reinvenção do Ensino Jurídico: Considerações sobre a Primeira Década”, (Brasília: OAB,2001), texto visceral publicado em OAB Recomenda Um Retrato dos Cursos Jurídicos com foco no perfil do bacharel em Direito e nas competências e habilidades essenciais, pensando a formação propriamente dita, a professora Loussia Félix põe em causa as habilidades comunicativas e expressivas, na formação de bacharéis em Direito, com a consideração de que a densidade ética da educação jurídica não frustre a expectativa de que o bacharel saiba apreender, mas também transmitir criticamente e de forma criativa o Direito.

Embora não abra uma abordagem específica, a atenção da professora Loussia Felix com o tema da formação, aponta para a necessidade de inserir na formação dos estudantes competências comunicativas aptas a desenvolver capacidade de expressão clara e didática, o que, a meu ver, se alinha ao movimento de linguagem simples. Ela entende a comunicação jurídica como habilidade essencial, tanto no ensino quanto na prática, para aproximar o Direito das pessoas comuns, vale dizer, compreender que a comunicação clara é fundamental para ampliar o acesso à justiça e tornar o Direito acessível. Para ela a formação, assim, forma um novo bacharel crítico, capaz de refletir sobre o fenômeno jurídico; ético, comprometido com a função social do Direito, mas também comunicativo, apto a dialogar com complexidades subjetivas que se movem no social e o transformam.

Nota-se essa perspectiva entre as muitas contribuições da professora, na elaboração das diretrizes que organizam o novo projeto pedagógico da Faculdade de Direito da UnB, assim como elas foram inseridas nos debates sobre reformas do ensino jurídico no Brasil, na OAB e no MEC e, sobretudo, como organizadora de projetos como o Tuning Latin America – Ensino Superior, no qual ela participou, representando o MEC, nos fóruns internacionais que discutem a formação por competências no ensino jurídico, conectando o Brasil a padrões acadêmicos globais e introduzindo modelos comparativos de formação profissional.

É um privilégio poder ter a professora Loussia na banca, afinal, uma verdadeira certificação para a validação dos achados do trabalho ora submetido a avaliação, principalmente quando orientado pelo professor Benedito Cerezzo que tem se distinguido por sua participação nos fóruns institucionais e comitês de aperfeiçoamento e revisão democrático-modernizadora da codificação processual civil.

A pesquisa de Ana Vitória analisou a linguagem jurídica sob múltiplas perspectivas — quantitativa, qualitativa, teórica e prática — e confirmou que ela permanece inacessível à maioria da população brasileira, devido ao excesso de tecnicismos, rebuscamento e vocabulário antiquado. Essa forma de comunicação compromete o direito à compreensão e, com isso, o acesso à Justiça.

Os dados por ela coletados mostram que 97% dos participantes reconhecem que a linguagem complexa dificulta o acesso à Justiça, e 84% acreditam que a simplificação pode melhorar a situação. A pesquisa também revela que a resistência à simplificação não é técnica, mas está enraizada em padrões culturais do meio jurídico, como apego ao formalismo, status e medo de perda de autoridade.

Cuidado que ela indica ser necessário prevenir quando sugere o uso de ferramentas como Visual Law, Legal Design e Inteligência Artificial como meios eficazes de tornar o Direito mais acessível, sem comprometer sua técnica. Elas contribuem para uma comunicação clara, lógica e centrada no usuário.

Outro achado importante foi o fenômeno do “falso saber jurídico”: muitos profissionais repetem termos sem compreendê-los plenamente. Isso revela que o juridiquês é muitas vezes um ritual de linguagem vazia, sem função social real.

O trabalho também reconheceu avanços institucionais, como o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples e ações do CNJ, mas enfatizou que a mudança depende de uma transformação cultural e do comprometimento de toda a comunidade jurídica.

Por fim, o texto conclui que a linguagem jurídica deve ser instrumento de inclusão e emancipação. Simplificar não é empobrecer o Direito, mas devolver-lhe seu sentido verdadeiro: comunicar com clareza e garantir o acesso à Justiça.

Aprendo com Ana Vitória que Visual Law e Legal Design são abordagens inovadoras que buscam tornar a comunicação jurídica mais clara, acessível e centrada no ser humano, especialmente para quem não é da área do Direito. Eles combinam direito, design e tecnologia para melhorar o entendimento e o acesso à informação jurídica, sem abrir mão da precisão técnica.

Legal Design é uma metodologia que aplica os princípios do design thinking ao Direito. Ou seja, coloca o usuário no centro do processo jurídico e busca soluções mais empáticas, funcionais e compreensíveis, com os objetivos de tornar o Direito mais acessível, compreensível e útil; de melhorar a experiência do usuário (seja ele cliente, cidadão, parte ou servidor); de poder repensar documentos, processos e até serviços jurídicos sob uma lógica funcional, visual e participativa, permitindo aplicações que deixem mais simples e ilustrados modelagens contratuais, e a elaboração de petições mais organizadas, com linguagem clara; além da reformulação de processos judiciais ou administrativos para serem mais compreensíveis.

Visual Law como uma das ferramentas do Legal Design se presta ao uso de elementos visuais para comunicar o conteúdo jurídico de maneira mais clara, direta e acessível, a exemplo de ícones, gráficos, infográficos para realce de informações, e o emprego de mapas mentais, timelines, fluxogramas e layouts que favorecem leitura rápida e compreensão, já encontrados até em sentenças judiciais (já usadas por alguns tribunais), mas muito usados em relatórios de impacto jurídico ou pareceres institucionais.

Percebi que a atenção de Ana para esses usos é motivada com a preocupação de vencer a linguagem tradicional do Direito — muitas vezes hermética, técnica e rebuscada, que afasta o cidadão comum e dificulta o acesso à Justiça, porque assim se reduz a compreensão das normas e decisões e por consequência a transparência e a confiança nas instituições jurídicas, especialmente em contextos de vulnerabilidade social ou baixa escolarização.

Com certeza essa é uma preocupação legítima. Mas a minha questão para Ana Vitória é aquela que encontrei por ocasião do Seminário “Artificial Intelligence, Justice, and Democracy. Pan-American Committee of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine, and Fray Bartolomé de las Casas Legal Research Institute”, realizado no início de março na Casina Pio IV, por convocação do Papa Francisco e da Academia de Ciências Sociais do Vaticano (https://www.pass.va/en/events/2025/artificial_intelligence/final_statement.html).

Participei e assinei a declaração de consenso adotada ao final do Seminário https://estadodedireito.com.br/declaracao-de-consenso-do-workshop-sobre-inteligencia-artificial-justica-e-democracia-comite-pan-americano-de-juizes-para-os-direitos-sociais-e-a-doutrina-franciscana-e-instituto-de-pesquisas-juridi/. E dela retiro a parte que circunscreve a atenção ao papel da Inteligência Artificial ​​nos sistemas de justiça, para por em relevo seus potenciais benefícios e riscos, riscos e benefícios que podem estar também condicionando as melhores intenções de Ana Vitória em seu belo trabalho:

  1. No que toca à eficiência e Acesso: A IA tem o potencial de agilizar processos legais, tornando a justiça mais acessível e eficiente. No entanto, isso não deve prejudicar o devido processo legal ou os direitos individuais.
  2. Policiamento preditivo: embora ferramentas de policiamento preditivo baseadas em IA possam aumentar a eficiência da aplicação da lei, elas correm o risco de perpetuar preconceitos existentes e policiar excessivamente certas comunidades.
  3. Apoio à Decisão Judicial: Sistemas de IA podem auxiliar juízes fornecendo jurisprudência e precedentes relevantes. No entanto, a autoridade decisória final deve permanecer com juízes humanos para garantir a compreensão contextual e as considerações éticas.
  4. Viés na sentença: os participantes expressaram preocupação com o uso de IA em decisões de sentença, observando o potencial de vieses incorporados levarem a resultados injustos, especialmente para comunidades marginalizadas.

Atendendo ao apelo do Papa Francisco, o Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia encerrou-se com um compromisso renovado de garantir que a IA sirva aos melhores interesses da humanidade. Ao enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades apresentadas pela IA, podemos trabalhar em direção a um futuro em que a tecnologia promova a justiça, fortaleça a democracia e defenda a dignidade humana. Nas conclusões do seminário os participantes comprometeram-se a dar continuidade a este diálogo vital e a traduzir estes princípios em políticas e práticas viáveis ​​nos seus respetivos campos e jurisdições. Lendo a monografia de Ana Vitória me tranquilizo por divisar que seu interesse por novas tecnologias e sofisticação de abordagens, preservam os mesmos compromissos éticos e de democratização de acesso à Justiça de modo a preservar a necessária materialidade de sua distribuição, atendendo as novas indicações para simplificação e popularização da linguagem do Direito.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

 

Direito e Justiça - Correio Braziliense, 

postado em 24/07/2025



Revogação de vistos: medida arbitrária e falaciosa

“A medida é claramente vista como parte de uma operação bem calculada pelos EUA: apontar a violação de liberdade de expressão americana, ativar ferramentas, como a Lei Magnitsky e desestabilizar a coesão entre os magistrados brasileiros”

 
José Geraldo de Sousa Júnior, Jurista e ex-reitor da UNB - (crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press)
Por José Geraldo de Sousa Junior* — Em 18 de julho, o secretário de Estado dos EUA anunciou a "revogação imediata" dos vistos do ministro Alexandre de Moraes "e seus aliados no Tribunal, assim como de seus familiares".
 
A alegação é de que essas autoridades participaram de uma "caça política" que restringiu a liberdade de expressão — especialmente via bloqueios, em redes como X e Rumble, que também afetaram usuários americanos. Especificamente citado o "complexo de perseguição e censura" liderado por Moraes contra ex-presidente da República e seus aliados como justificativa para revogar os vistos.
 
Sabe-se que uma possível origem desse contraditório está no interesse contrariado da Trump Media & Technology Group, empresa criada por Donald Trump, para operar a Truth Social, uma rede social que é uma extensão da persona política e digital de Donald Trump, funcionando como meio de divulgação de ideias alinhadas ao movimento da extrema-direita internacional.
 
O contraditório com o ministro Alexandre de Moraes surgiu porque a Truth Social começou a hospedar perfis e conteúdos de usuários brasileiros envolvidos em atos antidemocráticos, especialmente após os ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, abrigando muitos usuários que haviam sido banidos ou tiveram conteúdos suspensos por ordem do STF e de Alexandre de Moraes, relator de ações que investigam a tentativa de golpe e redes de desinformação, tendo o ministro expedido ordens judiciais de bloqueio de perfis, inclusive, com notificações a provedores estrangeiros, por facilitar a continuidade de práticas criminosas sob o pretexto de liberdade de expressão.
 
É nesse contexto que deve ser examinada a suspensão dos vistos. A medida é claramente vista como parte de uma operação bem calculada pelos EUA: apontar a violação de liberdade de expressão americana, ativar ferramentas, como a Lei Magnitsky e desestabilizar a coesão entre os magistrados brasileiros.
 
Todo Estado tem o direito soberano de decidir quem pode entrar, permanecer ou sair de seu território. Isso é reconhecido pelo direito internacional, especialmente no princípio da soberania territorial. Assim, a decisão de conceder, negar ou revogar um visto é em grande parte discricionária, ou seja, depende da avaliação unilateral do Estado emissor, sobretudo por razões de segurança nacional, ordem pública, interesse público.
 
Mas há limites a essa discricionariedade, referidos a acordos e obrigações internacionais, comprometendo os signatários à aplicação de critérios comuns, situações que devem condicionar a revogação de um visto em face de repercussões diplomáticas. Um Estado não pode negar ou revogar vistos com base em discriminação (raça, religião, orientação sexual, por exemplo) ou repatriar alguém a um país onde corra risco de tortura ou perseguição, ou situações que afrontem convenções internacionais de direitos humanos.
 
Vê-se, assim, que é principalmente uma confrontação com o Poder Judiciário, usando o pretexto de ação penal em curso contra réus indiciados por atentados à democracia e a Constituição, preparando uma escalada, da qual, a suspensão dos vistos, é pretexto para apontar a violação de liberdade de expressão americana, ativar ferramentas como a Lei Magnitsky e desestabilizar a coesão entre os magistrados brasileiros.
 
Mas a Lei Magnitsky até pode ser considerada como ferramenta poderosa de diplomacia de direitos humanos e combate à impunidade transnacional, mas não pode servir de pretexto para a adoção de medidas sancionadoras de protocolos internacionais ou bloqueios e sanções econômicas, não caracterizadas as situações que são o seu escopo.
 
O mais, é mobilização entreguista, no jogo dos interesses da alta burguesia econômica e financeira, também no plano interno, a se observar, inclusive, editoriais de mídias coligadas, que não hesitam em tomar o partido unilateralista indicando saídas para fragilizar esforços nesse sentido, como o Brasil tem sabido fazer com articulações como o Mercosul e o Brics.
 
O que está em causa, oportunismos à parte para fugir de responsabilização por crimes de lesa-pátria, ou aderir ao jogo de um alinhamento prepotente e guloso, é a ofensiva contra o Brasil, são o Brics. É o quinta-colunismo que quer ver o Brasil como peça mais frágil e dobrável, de quintal, sabotando o seu protagonismo na formação de blocos multilateralistas na estrutura de poder global.
 
Professor emérito e ex-reitor da UnB. Membro Benemérito do Instituto dos Advogados Brasileiros*
 

quarta-feira, 23 de julho de 2025

 

Participação social como instrumento de efetivação da democracia nas instituições do sistema de justiça

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Participação social como instrumento de efetivação da democracia nas instituições do sistema de justiça / organização Ouvidoria-Geral da DPE-RS, Jânia Maria Lopes Saldanha, Rodrigo de Medeiros Silva, Alessandra Quines Cruz e Julio Picon Alt. – Porto Alegre: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, 2025. 204 p.: E-book.  ISBN: 978-65-87983-35-6.

Já está disponível para download o e-book “Participação Social como Instrumento de Efetivação da Democracia nas Instituições do Sistema de Justiça”, uma coletânea de textos dos participantes do 1º Seminário promovido pela Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS). A publicação pode ser acessada na página da Ouvidoria-Geral, no site da DPE-RS (https://www.defensoria.rs.def.br/ouvidoria)

Organizado por Rodrigo de Medeiros (Ouvidor-Geral da DPE-RS), Alessandra Quines (Associação das Defensoras e Defensores pela Democracia), Jânia Saldanha (CCULTIS/Unisinos) e Júlio Picon Alt (CEDH-RS), o livro reúne reflexões, análises e propostas sobre a participação social como eixo fundamental na democratização do sistema de justiça.

O lançamento do e-book ocorreu durante a abertura do 2º Seminário de Participação Social, realizado no dia 25 de abril deste ano. Com 204 páginas, o livro oferece uma ampla abordagem sobre temas como a atuação das defensorias públicas, o papel das ouvidorias externas, experiências de participação social na América Latina e o enfrentamento às desigualdades estruturais no acesso à justiça.

A obra está organizada conforme o Sumário, que dá a medida da atualidade da discussão:

 

PREFÁCIO

A DEFENSORIA PÚBLICA E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA, José Geraldo de Sousa Júnior

SEÇÃO I: A AMÉRICA LATINA E SUA CAMINHADA DEMOCRÁTICA, Jânia Saldanha

Tutela Judicial Efectiva, Incluyente y Paritaria en materia electoral, Irinia Graciela Cervantes Bravo

El presidente de Colombia y su elusión constitucional en época de crisis, David Mendieta

El golpe de estado de 2019 en Bolivia y los movimientos sociales que restauraron la democracia, Thomas Becker

SEÇÃO II: O SISTEMA DE JUSTIÇA COMO REALIZADOR DE POLÍTICA PÚBLICA, Alessandra Quines

A Psicologia no Sistema de Justiça Brasileiro: quais as condições do trabalho a ser feito?,  Beatriz Tadwald Nunes

Carreiras no Sistema de Justiça: A falta de interdisciplinariedade, Daiana Meregalli Schütz

Contribuições do Serviço Social à participação social como caminho para a efetivação da democracia nas instituições do Sistema de Justiça, Silvia da Silva Tejadas

SEÇÃO III: O SISTEMA DE JUSTIÇA E A DEFESA DOS VULNERABILIZADOS: REFLEXÕES, DENÚNCIAS E CONTRIBUIÇÕES, Claudete Aires Simas e Júlio Picon Alt

Caminhos possíveis para a proteção de defensoras de Direitos Humanos: prevenção, reconhecimento, responsabilização e reparação e cuidado, Eduarda Garcia

Racismo religioso e a resistência do Povo de Terreiro no Rio Grande do Sul, Baba Diba de Iyemonja e Ọyagbèmí Luan

Proteção de Defensores/as de Direitos Humanos: Uma contribuição ao debate sobre a relação com o sistema de justiça, Paulo César Carbonari .

SEÇÃO IV: O SISTEMA DE JUSTIÇA COMO NECESSÁRIO ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL, Rodrigo de Medeiros Silva

Acolhimento/Atendimento no Sistema de Justiça. Desafios para a efetivação, Patrícia Kettermann

Ouvidoria-Geral e Conselho Consultivo na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Camila Marques, Amanda Oi e Mariana Mello Henrique

GALERIA DE FOTOS DO SEMINÁRIO

 

Como se vê do Sumário participei da obra, a convite do Ouvidor Externo Rodrigo Medeiros, contribuindo com um prefácio, mais expandido do que o usual nesse tipo de redação exatamente porque, nele procurei atualizar não só a compreensão sobre a função democrática do modelo de ouvidoria que se constitui pelo princípio da participação, como também pela interlocução que venho mantendo com os protagonistas de projetos que mais qualifiquem esse modelo.

Aqui neste espaço da Coluna Lido para Você, tenho registrado poções dessa interlocução: https://estadodedireito.com.br/defensoria-publica-e-a-tutela-estrategica-dos-coletivamente-vulnerabilizados/https://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/https://estadodedireito.com.br/ouvindo-as-ouvidorias-do-sistema-prisional/https://estadodedireito.com.br/ouvidoria-brasileira-cenarios-e-desafios/https://estadodedireito.com.br/os-ventos-que-sopram-na-serra-do-inacio-piaui-quando-os-invisiveis-tem-direitos/https://estadodedireito.com.br/a-promocao-da-cidadania-nas-ruas-defensoras-populares-dpe-go-2019-e-a-praxis-da-educacao-critica-e-popular-em-direitos-humanos-das-mulheres-para-alem-dos-muros-institucionais/https://brasilpopular.com/a-atuacao-das-defensorias-publicas-e-das-ouvidorias-externas-no-fortalecimento-da-democracia-participativa/https://brasilpopular.com/1o-forum-de-ouvidores-das-americas-democracia-e-inclusao-social/https://brasilpopular.com/participacao-popular-consultiva-no-conselho-de-defensoria-publica/.

Dessa feita, embora assumindo deliberadamente replicar o que já está como parte do conteúdo do próprio e-book, reproduzo o prefácio para poder compartilhar com novos interlocutores, as várias dimensões de um tema que tem alcance político mas também pedagógico. Dei ao prefácio o título: A Defensoria Pública e a Participação social nas instituições do Sistema de Justiça.

O livro que tenho orgulho em prefaciar completa e reúne comunicações, postas em discussão no seminário “Participação social como instrumento de efetivação da democracia nas instituições do sistema de justiça” realizado nos dias 9, 10 e 11 de outubro de 2023, em Porto Alegre, no espaço da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

O seminário e a obra têm organização da Ouvidoria-Geral da DPE-RS, Conselho Regional de Psicologia (CRP-RS), Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-RS), Ccultis, Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (CCDH-ALRS) e do Programa de Pós-Graduação de Direito da Unisinos.

Seus objetivos – do Seminário e do livro – são compartilhar e divulgar experiências entre os atores e organizações da sociedade civil que demandam respostas das instituições que compõem o Sistema de Justiça, e apontar caminhos para o acesso à justiça e o fortalecimento de sua participação. Para isso, o seminário conta com a participação de um amplo quadro de militantes, ativistas, defensores de direitos, juristas, pesquisadores e instituições que buscam cotidianamente a inclusão daqueles sujeitos que não têm garantido seus direitos fundamentais, enquanto o livro coloca em circulação e amplifica o auditório para a interlocução de alta intensidade que assim se estabeleceu.

A convocação temática – Experiências de participação social na América Latina, Acolhimentos no sistema de justiça: desafios para a sua efetivação, Carreiras do sistema de justiça: a falta de presença interdisciplinar, Proteção de defensores de direitos humanos e o tratamento encontrado no sistema de justiça, Perfis no sistema de justiça: ausências sentidas, Mediação de conflitos fundiários e o direito à moradia, Conselho consultivo da Ouvidoria da Defensoria: uma ampliação do diálogo democrático – aliada à qualificação das coordenações e mediações das mesas, dão a medida da relevância das questões postas em discussão, disso resultando o núcleo epistemológico-político do material autoral trazido para a obra.

Posso constatar que a Defensoria Pública – federal e estadual – continua o crescendo de uma afetação do sistema de acesso à justiça e a direitos, tal como tenho acompanhado em encontros dos quais tenho participado (https://www.defensoria.ce.def.br/noticia/jose-geraldo-de-sousa-junior-foi-um-dos-palestrantes-do-3o-encontro-das-defensoras-publicas-e-dos-defensores-publicos-do-ceara/), nos desafios que têm sido opostos ao esforço constitutivo de uma institucionalidade inédita no sistema de Justiça (https://www.youtube.com/watch?v=Qe5xg6FFpEw&t=6s – Depoimento sobre a Defensoria Pública e seu Poder de Requisição), e no próprio diálogo para o qual tenho tido ensejo frequente de participar.

A propósito, em entrevista que dei para o Boletim DPU Escola Superior Fórum DPU Defensoria Pública e Acesso à Justiça (Defensoria Pública e Acesso à Justiça – Forum DPU V.3 N.11 ISSN: 2526-9828 Ano: 2017 – https://www.dpu.def.br/enadpu/forumdpu/edicao-11), aludi à emergência de uma agenda relevante de temas estratégicos, nos planos teórico e de aplicação, que logo se fez interpelante para prosseguir em análises que aprofundem a relação entre o sentido institucional-funcional da Defensoria Pública e a questão desafiante do acesso à justiça. Apesar de inicialmente pensados na articulação da Defensoria Pública da União e de suas atribuições específicas, dada a própria temática da entrevista, esses temas são instigantes para a atuação de todas as Defensorias Públicas estaduais e do Distrito Federal, emergindo como vórtices para uma atuação para além dos fixos quadros de processualização formal das violações a direitos.

Uma primeira questão para organizar essa agenda se coloca quase intuitivamente: quais seriam os principais desafios institucionais, econômicos e sociais de acesso à justiça?

Uma forte consideração nesse tema e, sobre ele, registros e reflexões que estão contidas em trabalhos nos quais as aproximações desde O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática vem acumulando, sempre pensando um modo alargado de concepção do tema que leve em conta exatamente confrontar e superar esses obstáculos. O pressuposto para tal é apostar na democratização da sociedade e da justiça, abrindo-as à crescente participação da cidadania de modo a reduzir as barreiras econômicas, institucionais e sociais por meio de reconhecimento de sujeitos coletivos e de protagonismos que desindividualizem as demandas, pela afirmação das dimensões políticas que ordenam os conflitos mais agudos em nossa sociedade. Esse é um modo para deslocar a questão dos entraves burocráticos que pedem medidas modernizadoras – novos códigos, mais agentes, novos procedimentos – quando a questão é o questionamento da Justiça a que se tem acesso e o modo democrático de ampliar esse acesso.

Em resumo desse acumulado, o que baliza uma aproximação, que nos caracteriza, é conceber a assessoria jurídica popular como uma estratégia para promover o acesso ao direito e à justiça dos cidadãos, especialmente os subalternizados, na medida em que atua para que estes conheçam seus direitos e não se resignem em relação às suas violações bem como tenham condições para superar os obstáculos econômicos, sociais e culturais a esse acesso. Tomando os pressupostos da assessoria jurídica popular, na perspectiva de O Direito Achado na Rua, trata-se de acentuar a relação de compromisso político com os sujeitos coletivos organizados e movimentos sociais cuja atuação expressa práticas instituintes de direitos, e a combinação de instrumentais pedagógicos, políticos e comunicacionais com a dimensão jurídica. O que significa realizar um exercício analítico que desloca a centralidade e prioridade da norma estatal enquanto referencial de legitimidade e validade do direito, para encontrar como referencial os processos sociais de lutas por libertação e dignidade.

Como uma referência para o agir institucional da Defensoria Pública, cuidei dessa aproximação, em contribuição para o livro Defensoria Pública e a Tutela Estratégica dos Coletivamente Vulnerabilizados. (Orgs): Lucas Diz Simões, Flávia Marcelle Torres Ferreira de Morais, Diego Escobar Francisquini. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019

Em relação a essa obra, remeto à recensão que sobre ela elaborei – https://estadodedireito.com.br/defensoria-publica-e-a-tutela-estrategica-dos-coletivamente-vulnerabilizados/. Na resenha, recupero, da obra, o eixo discursivo que, com Alberto Carvalho Amaral, Defensor Público em Brasília e como minha colega professora na Universidade de Brasília Talita Tatiana Dias Rampin, contribuímos para a obra com o artigo “Exigências críticas para a assessoria jurídica popular: contribuições de O Direito Achado na Rua”, p. 803-826.

Na nossa abordagem, colocadas as questões pressupostas, focalizamos dois aspectos destacados para atender o plano da obra, que pede enfoque teórico e também prático: 1- A Defensoria Pública como necessário ator qualificado para o alargamento e a democratização do acesso à justiça; 2 – O projeto “Defensoras e Defensores Populares do Distrito Federal”: ação difusora e conscientizadora sobre direitos humanos, cidadania e ordenamento jurídico

No primeiro aspecto, para nós, o acesso à justiça constitui-se direito fundamental garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada aos 5 de outubro de 1988 – CF/88 e não significa, necessariamente, acesso ao Judiciário. Partimos de uma visão axiológica da expressão “justiça”, que representa uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. Esse tema tem sido pesquisado por juristas e sociólogos, como Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que consideram que o acesso à justiça pode ser encarado como o mais básico dos direitos humanos inseridos no contexto de um sistema jurídico moderno e igualitário, comprometido com a garantia (e não apenas com a proclamação) do direito de todos .

Com o ascenso da luta social e a conquista da CF/88, foram criados ou fortalecidos novos mecanismos de garantia de direitos e redesenhadas institucionalidades que prometiam um potencial democrático, como os conselhos gestores de políticas pública e a Defensoria.

Como uma espécie de síntese histórica entre as estratégias de luta social e a opacidade da institucionalidade de justiça, sobretudo em relação às violações e à agenda política de direitos carregada e instituída na práxis dos movimentos sociais populares, surge no Brasil o que viria a ser reconhecida como a assessoria jurídica e advocacia popular, uma espécie de subcampo político-jurídico no interior da advocacia brasileira, orientado por princípios humanitários, pedagógicos e políticos de compromisso e o diálogo com comunidades e movimentos de base organizados em torno da luta por direitos (como sindicatos, comunidades e movimentos de luta pela terra), e incumbidos de uma tarefa histórica de tradução jurídica da luta política por direitos .

Quando analisamos o desenho institucional conferido à Defensoria, verificamos a presença de fortes elementos democratizantes, que aproximam a instituição e sua prática a esse subcampo político-jurídico. Presença esta que notamos desde a constitucionalização de sua função essencial à justiça, passando pela natureza dos direitos e sujeitos que tutela e serve, até alcançar a sua arquitetura institucional.

A Defensoria Pública é uma instituição que figura como um dos principais atores para o alargamento e a democratização do acesso à justiça no Brasil. Comumente associada ao exercício de uma de suas funções constitucionais, a saber, a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (CF/88, artigo 5º, inciso LXXIV) – ou, atualmente, na tutela de grupos socialmente vulneráveis –, suas funções institucionais não se reduzem à dimensão da assistência judicial, mas, antes, a projetam como ator qualificado para a democratização da justiça no Brasil.

Isso advém, também, do processo de institucionalização do órgão, que inova ao ser introduzido em texto constitucional – atuação de constituinte originário que, posteriormente, será agregada por diversos outros países latino-americanos  – como “verdadeiro modelo organizacional” a ser “assumido efetivamente pelo Estado”, prestigiando uma concepção ampla de acesso à justiça, que situa seus esforços na diminuição das desigualdades sociais, concretizadas em contundentes e rotineiras violações interpenetrantes de estruturas monetárias, raciais, sexuais, locais, identitárias, culturais, enfim, de um complexo de variantes discriminatórios que, na realidade fática, complexificam as dificuldades de efetivar acesso à proteção de direitos essenciais para o exercício básico da cidadania .

Regulamentada pela Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, e alterações posteriores introduzidas via Lei Complementar nº132, de 7 de outubro de 2009, que, em conjunto, conformam o que poderíamos chamar de Lei Orgânica da Defensoria Pública no Brasil, a instituição tem como respaldo normativo para o exercício de sua função democratizante da justiça, já expressa desde sua prática, uma caracterização instrumental para o regime democrático. Vejamos:

Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

Posteriormente, no que podemos denominar como triênio de sensibilização do constituinte originário, o órgão Defensoria Pública conseguiu, em um esforço inédito, após grande atuação de defensores e defensoras de diversos entes federativos junto a deputados federais e senadores, e que reconhece, em larga escala, a relevância de sua atuação como essencial para a busca de uma sociedade menos desigual, a inserção de relevantes modificações no texto constitucional, especialmente da Emenda Constitucional n.º 69/2012, que retira da competência da União para tratar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal, atribuindo-a ao Distrito Federal e normatizando no texto constitucional uma situação fática existente desde 1986; a Emenda Constitucional n.º 74/2013, que estende, às Defensorias Públicas da União e do DF, as autonomias funcional e administrativa, além da proposta orçamentária, conquistadas pelas Defensorias Públicas estaduais com a emenda constitucional 45/2004, e da Emenda Constitucional n.º 80/2014, que destaca, em seção própria e distinta da Advocacia, o órgão Defensoria Pública, consagrando no texto constitucional os princípios institucionais da unidade, indivisibilidade e independência funcional, bem como dispondo a obrigatoriedade de o Poder Público, no prazo de 8 (oito) anos, lotar defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, atendendo, prioritariamente, regiões mais excluídas e com maior adensamento populacional.

Trata-se portanto, de uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, que possui como objetivos a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, a afirmação do Estado Democrático de Direito, a prevalência e efetividade dos direitos humanos, e a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 3º da Lei Complementar nº80/1994, com alterações promovidas pela Lei Complementar nº132/2009).

Dentre suas funções institucionais, destacamos a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (artigo 4º, inciso III da Lei Complementar nº80/1994, com alterações promovidas pela Lei Complementar nº132/2009), que, em nossa leitura, perpassa, necessariamente, pelo exercício de uma função pedagógica. O conhecimento de direitos talvez seja, dos papeis a serem desempenhados pela Defensoria Pública junto aos grupos sociais vulneráveis, uma das missões mais relevantes, conquanto mais árduas e que possui complexidades fáticas enormes para a sua concretização. Essa função pedagógica, em nossa análise, só poderá ser exercida e alcançada nos marcos de uma educação para a liberdade, fundada, que é, no aprofundamento das experiências conscientizadoras.

Estes marcos e desenhos institucionais são reveladores dos sentidos democratizantes da Defensoria Pública, e abrem margem para uma ampla gama de desafios a serem enfrentados.

Penso que, em boa medida, o Seminário e o livro colocam em causa, questionamentos relevantes: qual o potencial da Defensoria como instituição voltada para a garantia do acesso à justiça? Quais são os principais desafios a serem enfrentados para a concretização deste potencial?

Uma boa resposta, ratificada pelos achados do seminário e exibidos no livro, indica, não ser por acaso que, nas mobilizações para a institucionalização de defensorias, o social organizado tenha sido um fator determinante para a sua criação. Pensemos, por exemplo, o caso da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, para cuja institucionalização muito contribuiu a mobilização da sociedade civil. Por isso mesmo, em sua estrutura, é muito pertinente a atividade de sua Ouvidoria Externa, eleita a partir de candidatos externos à defensoria, que traduz de alguma maneira o sentido de participação que nesse sistema o princípio democrático alcançou. Veja-se a esse respeito, a belíssima tese de doutoramento de Élida Lauris dos Santos, defendida em Coimbra, “Acesso para quem precisa, justiça para quem luta, direito para quem conhece: dinâmicas de colonialidade e narra(alterna-)tivas do acesso à justiça no Brasil e em Portugal. Coimbra: [s.n.], 2013”. Hoje, é importante acentuar, a regra da ouvidoria externa aplica-se a todas defensorias estaduais e do DF, em razão das alterações promovidas pela Lei Complementar n.º 132/2009.

Aproveitando-se a menção à Lei Complementar n.º 132/2009, esta, além de trazer a figura da ouvidoria externa, no contexto de maior participação social, também previu um artigo específico sobre os direitos dos assistidos perante o órgão (art. 4º-A), como catálogo mínimo, não excludente de outras normas ou atos normativos internos, como, por exemplo, informações sobre localização, horário de funcionamento, tramitação de processos e procedimentos, bem como a qualidade e eficiência de seu atendimento, direito de revisão no caso de recusa de atuação pelo defensor público, direito de ser patrocinado pelo defensor natural e de defensores distintos quando verificada existência de interesses antagônicos ou colidentes.

Do que se trata, em suma, é tornar possível a aproximação do direito à realidade social, proporcionando o apoio à efetivação dos direitos dos grupos subalternizados, seja através de mecanismos institucionais, judiciais ou por mecanismos extrajudiciais, políticos e de conscientização. A aposta ultrapassa aspectos formais, do repertório jurídico tradicional e tenta compreender a realidade diante de sua complexidade, buscando, assim, ofertar respostas também complexas e abrangentes.

Conforme os pressupostos de O Direito Achado na Rua, a defensoria pública, em sua expressão popular, torna-se estratégia importante para garantir o acesso ao direito e à justiça das cidadãs e dos cidadãos, especialmente os subalternizados, na medida em que atua para que estes conheçam seus direitos e não se resignem em relação às suas violações, bem como tenham condições de superar os obstáculos econômicos, sociais e culturais a esse acesso.

Vislumbro, a partir da atuação e do diálogo entre a academia e a institucionalização do acesso à justiça, que possui na Defensoria Pública uma das grandes apostas do Constituinte de 1988, ultrapassar barreiras e alcançar resultados efetivos, que propiciem uma melhoria de vida dos pertencentes de comunidade carentes.

Cuido da coincidência de resultados em relação a experiência semelhante que desenvolvemos na UnB (Faculdade de Direito), em cooperação com a Defensoria Pública no Distrito Federal. Fiz o registro dessa experiência em https://estadodedireito.com.br/direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/, ao resenhar dois números da Revista do órgão: Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal.  V. 1 n. 3 (2019): Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras. José Geraldo de Sousa Junior, Nair Heloisa Bicalho de Sousa , Alberto Carvalho Amaral ,Talita Tatiana Dias Rampin (Editores).  Endereço do link para a edição completa da Revista: http://revista.defensoria.df.gov.br/revista/index.php/revista/issue/view/8/RDPDF%20vol%201%20n%203%202019; e, também em recensão na Coluna – http://estadodedireito.com.br/direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/ – demos a notícia do lançamento da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, v. 1 n. 2 (2019): Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras. Editor-Chefe Defensor Público do Distrito Federal Alberto Carvalho Amaral. Brasília, maio a setembro de 2019, p. 1-213.

Essa constatação coincide com o Diagnóstico de Imagem (Estudo da Imagem do Judiciário Brasileiro, realizado entre agosto de 2018 e dezembro de 2019, por encomenda AMB à FGV). O estudo que segundo seu enunciado  “disponibiliza à sociedade um amplo conjunto de informações sobre as percepções e expectativas a respeito da atuação do Judiciário brasileiro; a avaliação do cumprimento de suas funções de garantir os direitos individuais, coletivos e sociais, e de resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado; a opinião sobre suas contribuições na construção de valores como Igualdade, Democracia, Cidadania; e a visão acerca das relações entre os Poderes da República”, acabou por identificar a Defensoria Pública, a frente de todos os demais órgãos, com os melhores indicadores de conhecimento, confiança e avaliação, entre os diversos segmentos de público pesquisados (usuários e não usuários dos serviços da Justiça, sendo os jurisdicionados demandantes e demandados); advogados; defensores públicos; e formadores de opinião.

Não foi, pois, surpresa para mim, testemunhar o forte protagonismo da representação das ouvidorias das defensorias públicas, por ocasião do 1º Forum de Ouvidores das Américas sobre Democracia e Inclusão Social (https://brasilpopular.com/1o-forum-de-ouvidores-das-americas-democracia-e-inclusao-social/).

Presente ao Forum, como convidado expositor,, não pude deixar e evocar aqueles fundamentos que me levaram, como Reitor, a conduzir a institucionalização, na minha universidade, a UnB, de uma Ouvidoria autônoma, no topo da estrutura, ancorada nesses fundamentos – democracia e inclusão social – portanto, orientada para estabelecer posições interpretativas e de realização democrática (constitucionais), balizadas pelos parâmetros do trabalho decente, da cidadania e dos direitos humanos (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de – Org – Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012).

Com certeza, para além dos ganhos de intercâmbio de experiências, da oportunidade política de estabelecer um pacto das ouvidorias pela democracia, vale por em relevo os enunciados educadores, no sentido de uma as Ouvidorias Públicas são um instrumento pedagógico fundamental para inovar e criar condições compartilhadas de gestão participativa para dar efetividade ao controle social sobre as políticas públicas e sociais realizadas por meio dos serviços públicos e que realizam, assim, um papel democrático mediador entre a administração pública e a sociedade.

A partir de a firmação de princípios e de compromissos, se apresentaram os participantes, representantes de Ouvidorias Públicas credenciadas para o Fórum, determinados a: Seguir em permanente vigília em defesa da democracia e retomar a agenda dos direitos humanos como requisito para a existência dela; Trabalhar em rede e intensificar as trocas de boas práticas, cientes da relevância dessa sinergia para a efetiva participação cidadã nos destinos do Estado; Prezar pelo contínuo aprimoramento das políticas públicas, fazendo devolutivas e viabilizando a comunicação tempestiva e em mão dupla entre a cidadania e o Estado; Buscar novas formas de arranjo social nas quais a liberdade e a dignidade da pessoa humana e o apego a instituições inclusivas sejam respeitados pelos líderes políticos; Dar visibilidade às problemáticas que afligem a cidadania, tais como pobreza, deslocamento forçado, guerras, ameaças ambientais e mudanças climáticas, violência, insegurança, discriminação, corrupção e ameaças à saúde mental, para criar incômodo e impelir a ação; Lançar mão de todos os meios legais possíveis para chamar a administração pública à ação, de modo que devolva resolutividade aos anseios populares em tempo oportuno; Trabalhar pela educação em direitos humanos e sobre direitos humanos; Ter o bem-viver como horizonte para a garantia da defesa de direitos; Firmar o Pacto pela Democracia e pela Inclusão Social, materializando os compromissos reavivados neste I Fórum de Ouvidorias das Américas; Disseminar os conhecimentos e as trocas obtidos neste espaço de diálogo e ampliar a interlocução com outros atores sociais, coletivos e organizações dos países do continente americano e também da África.

Não são disposições fáceis para se concretizarem cumprindo as promessas constitucionais de democratização participativa e de alargamento do acesso à Justiça. Em projeto levado a cabo na UnB, colegas minhas – GERALDES; Elen; FIGUEIREDO, Kênia; MEDLEG, Georgete; XAVIER LEMOS, Eduardo. et al. Ouvindo as Ouvidorias do Sistema Prisional. 1ª Edição. Brasília: Fac Livros, 2020; GERALDES; Elen; FIGUEIREDO, Kênia; MEDLEG, Georgete; XAVIER LEMOS, Eduardo. et al. Ouvindo as Ouvidorias do Sistema Prisional: À l’écoute des médiateurs du système pénitentiaire.  Paris: Librinova, 2020 – realizaram pesquisa com foco no sistema prisional, e localizaram grande preocupação com a percepção dos movimentos sociais com representatividade das famílias, dos presos, e outros que de alguma forma versem sobre a questão e os direitos penitenciários, no geral, não conseguem perceber as ouvidorias como espaço de acolhida:

Os movimentos sociais não reconhecem a Ouvidoria como um espaço de escuta de suas demandas. De fato, eles a associam ao Estado, visto pelos movimentos como o opressor e não o libertador. Os militantes se esforçam para resolver individualmente as demandas das pessoas privadas de liberdade, negociando-as diretamente com o Estado. De acordo com os relatos ouvidos, é possível o contato com as pastorais e movimentos sociais que atuam no sistema, mas a proximidade com eles costuma ser evitada em algumas localidades. A justificativa para esta não aproximação é que não haja interferência na imparcialidade das decisões e dos trabalhos desenvolvidos. Portanto, há o acesso, mas não existe envolvimento. Essa informação foi confirmada nas entrevistas realizadas com os representantes dos movimentos sociais, que reivindicam uma aproximação com as Ouvidorias. (GERALDES; FIGUEIREDO; MEDLEG; GERALDES; FIGUEIREDO; MEDLEG; XAVIER LEMOS; et al.  2020, p. 44)

Nesse passo, alinho-me com a experiência e a pertinente formulação de Maria Gabriela Peixoto, a partir de seu exercício como Ouvidora do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça (Governo Dilma Rousseff), para o sistema prisional. Segundo ela, em depoimento pessoal que me concedeu a propósito do tema, “uma das ideias mais importantes a destacar sobre o serviço de Ouvidoria voltado ao Sistema Prisional, é o fato de se tratar de um serviço em que a Ouvidoria tem de ir até o usuário do serviço. O serviço de Ouvidoria prisional é itinerante e precisa fazer frente ao histórico processo de invisibilidade do Sistema Prisional. Se denúncias e demandas precisam vir à tona para qualificar as condições de custódia, precisamos prover espaços e mecanismos diversificados de dar voz aos privados de liberdade. Por isso as fiscalizações e a visita às unidades têm de ser rotina da Ouvidoria. O Direito à Comunicação da pessoa privada de liberdade emerge como um desafio a ser garantido”.

Assim que, autor de prefácio ao livro Ouvidoria Brasileira: cenários e desafios. Organização: Maria Ivoneide de Lima Brito, Ana Claudia de Almeida Pfaffenseller, Luciana Bertachini. Brasília: Editora UnB/FNOUH/Portal de Livros Digitais da UnB, 2021 (https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/105) – https://estadodedireito.com.br/ouvidoria-brasileira-cenarios-e-desafios/, eu tenha procurado divisar, no mesmo diapasão do que encontro no seminário e no livro organizado pela Ouvidoria da Defensoria do Rio Grande do Sul, que

A Ouvidoria pública e a Ouvidoria universitária, mostram os textos, são uma expressão forte da tradução de princípios democráticos como condição de boa gestão administrativa. Registro o comentário, em sede de balanço de experiências, a respeito exatamente da avaliação das ouvidorias públicas na democracia, tal como aparece em Estado, instituições e democracia, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília: Ipea, 2010. Especialmente Livro 9, volume 2, Ouvidorias Públicas e Democracia, p. 216: “As ouvidorias públicas vêm se transformando em instrumento inovador de gestão e, principalmente, em uma ferramenta de controle social e de atendimento aos usuários dos serviços públicos. Gradativamente, os ouvidores têm visto acrescentar à sua função inicial de ombudsman o papel de mediador entre a organização e a sociedade”.

Não é ocasional que o bem documentado trabalho elaborado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, em 2014 – Participação Social no Brasil. Entre conquistas e desafios, logo após os acontecimentos de 2013 e da tentativa de setores do legislativo de bloquear o modelo participativo da administração federal, tenha procurado conferir o que chama de metodologia de gestão, com esteio no modelo constitucional participativo e que tenha conferido a esse processo de gestão o conceito de diálogos entre governo e sociedade civil. De registrar (p. 127) o destaque atribuído à Ouvidoria pública federal, entre as instâncias e os mecanismos de participação social, ali definida como “instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública”.

Estou atento ao que considero uma pedagogia da cidadania, de acordo com muitos enunciados dos textos que formam a obra aqui publicada. Como um movimento originado das Defensorias Públicas, as suas ouvidorias externas se inscrevem numa disposição de fortalecimento da democracia participativa, ainda tateante no sistema de Justiça.

Tive ensejo para manifestar essa percepção. Em artigo de opinião -https://brasilpopular.com/a-atuacao-das-defensorias-publicas-e-das-ouvidorias-externas-no-fortalecimento-da-democracia-participativa/ – fiz o registro de um evento promovido pelo Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Púbicas.

Com o tema “Direitos Humanos e Movimentos Sociais: A Atuação das Defensorias Públicas e das Ouvidorias Externas no Fortalecimento da Democracia Participativa”, aconteceu em Florianópolis a 2ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas. O encontro pretendeu estabelecer diálogo com especialistas e defensores dos direitos humanos para debater e promover a democracia participativa.

Como disse, participei do evento a convite da organização (Maria Aparecida Lucca Caovilla – Ouvidora-Geral Externa da DPESC e Vice-Presidenta do CNODP-Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas). O meu tema para o painel As Defensorias Públicas Brasileiras na Efetivação da Democracia Participativa, compartilhado com o Professor Me. Willian Fernandes, o Secretário Executivo do Ministério da Justiça Marivaldo Pereira, a Presidenta do Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas Norma Miranda Barbosa, sob a mediação da Ouvidora – Geral da Bahia Naira Gomes

A Defensoria Pública é fruto da luta incansável da sociedade civil e dos movimentos sociais por uma sociedade mais justa e igualitária. Sua criação, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, representou um marco histórico na garantia dos direitos humanos e no fortalecimento do Estado Democrático de Direito em nosso país.

A Defensoria Pública é, portanto, uma conquista da democracia e da sociedade brasileira. E os defensores e defensoras, são verdadeiros agentes da transformação, em sua missão de defender os direitos dos vulnerabilizados, assim mesmo designados, ao invés de vulneráveis, já que não se trata de um destino mas de uma condição, quando confrontam pois, as desigualdades sociais e promovem a inclusão social. Ao lado da justiça social, garantem a voz daqueles que mais precisam seja ouvida e seus direitos sejam respeitados.

Considero que a institucionalização das ouvidorias externas no corpo das defensorias é uma resposta contundente na direção da democratização do acesso à justiça e do debate que não pode ficar restrito corporativamente aos juristas. Por isso deve ser saudada a Lei Federal de 2009 que determina este formato de Ouvidoria Externa de Defensoria, mas só 17 das 27 defensorias cumprem a lei, que são: Acre, Rondônia, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Mato Grosso, Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Por isso, digo no artigo, é notável a iniciativa da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, por promoção de sua Ouvidora Externa Marina Ramos Dermann – (o Ouvidor atual Rodrigo de Medeiros, originado dos quadros da advocacia popular de movimentos sociais, foi nomeado depois de escrutínio do Conselho do órgão, avalisado por nota de apoio de 155 professores/as e acadêmicos/as de todo o país, carta de apoio de movimentos e entidades com 183 movimentos/entidades sendo mais de 120 do RS https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/03/Carta-Aberta-Apoio-a-Rodrigo-de-Medeiros-Para-Ouvidoria-da-DPE_RS-3.pdf, traduzindo a melhor forma de corresponder a um dever funcional tão democraticamente legitimado) – de constituição de um Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, como já realizado por outras Defensorias Públicas no País (SP, PR, BA e AC) e Defensoria Pública da União.

Essa a razão pela qual – https://brasilpopular.com/1o-forum-de-ouvidores-das-americas-democracia-e-inclusao-social/ – durante o 1º Fórum de Ouvidores das Américas – “Democracia e Inclusão Social”, Organizado pela Ouvidoria-Geral do MDS, soou para mim, como uma nota de relevo no evento, a manifestação do presidente do Conselho Nacional de Ouvidoria das Defensorias do Brasil, Guilherme Pimentel, que ressaltou a importância da participação dos movimentos sociais e da sociedade civil para a melhoria da qualidade do serviço público. “A sociedade civil e os movimentos sociais têm conhecimento da realidade, mas não têm estrutura para dar conta do atendimento em massa. Não há como se falar de inclusão social e democracia num país continental como o Brasil sem defender o serviço público”.

Do que se trata, em suma, tal o que me parece ser a proposta do seminário “Participação social como instrumento de efetivação da democracia nas instituições do sistema de justiça”, e do livro que prefacio, é tornar possível a aproximação da Justiça à realidade social, proporcionando o apoio à efetivação dos direitos dos grupos subalternizados, seja através de mecanismos institucionais, judiciais ou por mecanismos extrajudiciais, políticos e de conscientização. A aposta ultrapassa aspectos formais, do repertório jurídico tradicional e tenta compreender a realidade diante de sua complexidade, buscando, assim, ofertar respostas também complexas, abrangentes, inovadoras, para a realização democrática da Justiça e dos Direitos.